quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Repúdio à AGU e Solidariedade a Vanuchi

Nota de solidariedade

As entidades abaixo assinadas manifestam integral e irrestrita solidariedade ao Ministro Paulo Vannuchi, que hoje sofre o constrangimento de ver a Advocacia Geral da União assumir a defesa de torturadores assassinos de presos políticos em frontal oposição à responsabilização e punição de torturadores e seus mandantes.
O Ministro Paulo de Tarso Vannuchi é um militante dos Direitos Humanos histórico e nunca vacilou na defesa da Democracia e da Justiça. Sua posição em defesa da responsabilização e punição de torturadores e seus mandantes é baseada na Lei e na visão universal de Justiça.
Fazer a defesa de torturadores é defender a tortura, garantir a impunidade, favorecer sua reprodução aos agentes atuais e incentivar sua prática nos dias de hoje.

Repudiamos a ação da AGU em defesa dos torturadores e exigimos uma urgente retratação pública de seu responsável.

Assinam
- Fórum Permanente de ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo
- Grupo Tortura Nunca Mais - São Paulo
- Associação dos Anistiados e Aposentados do Estado de São Paulo
- Grupo Tortura Nunca Mais - Paraná
- Comissão de Familiares de Presos Políticos Mortos e Desaparecidos
- Fórum de Anistia e Reparação do Estado do Rio de Janeiro
- Instituto Sedes Sapientiae
- ADNAM - Associação Democrática e Nacionalista dos Militares
- Comitê Catarinense Pró Memória dos Mortos e Desaparecidos Políticos
- Memorial dos Direitos Humanos – Santa Catarina
- Observatório das Violências Policiais – São Paulo

Nota de repúdio

As entidades abaixo-assinadas manifestam seu mais veemente repúdio à posição adotada pelo Advogado Geral da União, José Antônio Dias Tóffoli, em defesa dos agentes torturadores. Tal posição vai em sentido contrário dos anseios da Sociedade Brasileira, que exige apuração, responsabilização e punição de autores e mandantes de torturas contra presos políticos durante a ditadura militar.
As alegações da AGU servem de argumentos para a defesa dos torturadores e coloca a sociedade brasileira na condição de refém de criminosos impunes e acima da Lei. Essa impunidade é um convite a novas agressões aos direitos humanos por outros agentes do Estado atual.
Exigimos que a Advocacia Geral da União faça uma retratação pública de sua posição equivocada e se coloque ao lado da Justiça e da Verdade, contra a tortura e os torturadores.

Assinam:
- Fórum Permanente de ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo
- Grupo Tortura Nunca Mais - São Paulo
- Associação dos Anistiados e Aposentados do Estado de São Paulo
- Grupo Tortura Nunca Mais - Paraná
- Comissão de Familiares de Presos Políticos Mortos e Desaparecidos
- Fórum de Anistia e Reparação do Estado do Rio de Janeiro
- Instituto Sedes Sapientiae
- ADNAM - Associação Democrática e Nacionalista dos Militares
- Comitê Catarinense Pró Memória dos Mortos e Desaparecidos Políticos
- Memorial dos Direitos Humanos – Santa Catarina
- Observatório das Violências Policiais – São Paulo



Falando sobre Josué de Castro na Fundação Getúlio Vargas

No próximo dia 24 estarei participando na Fundação Getúlio Vargas, no Rio, do seminário O Brasil Em Evidência: A Utopia do Desenvolvimento, na mesa redonda em torno do pensamento de Josúé de Castro. Será editado um livro com os trabalhos apresentados durante o seminário.


Jonas: o sentido simbólico

Marcelo Mário de Melo

Em 1964 havia no Colégio Estadual de Pernambuco – CEP, antigo Ginásio Pernambucano, no Recife, uma base do Partido Comunista Brasileiro com 25 jovens militantes, homens e algumas mulheres. A ação política se desdobrava nas reivindicações locais, nas campanhas pelo diretório estudantil e nas disputas com a direita em torno das entidades municipal e estadual dos secundaristas: a Associação Recifense dos Estudantes Secuncários – ARES e o CESP – Centro dos Estudantes Secundaristas de Pernambuco.

Os estudantes também eram convocados a atuar nas campanhas eleitorais e em mobilizações vinculadas às bandeiras políticas da época. Defendíamos as reformas de base, entre elas a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma do ensino. Éramos pelo direito de voto para os analfabetos e cabos das forças armadas. Combatíamos o colonialismo e as ditaduras no mundo, com destaque para a libertação das colônias africanas, as ditaduras de Salazar em Portugal, Franco na Espanha e Strossner no Paraguai. Defendíamos ardorosamente a jovem revolução cubana e, muitas vezes, participávamos de atos públicos, panfletagens e pichações em defesa de Cuba, contra as ameaças e as tentativas de invasão comandadas pelo imperialismo norte-americano, então sob a batuta do bonitão John Kennedy.

Na base do CEP havia um grupo de companheiros que participava do Clube Literário Monteiro Lobato, o famoso CLML, que ativava um concurso permanente de crônicas, tinha reuniões sistemáticas, possuía centenas de filiados de diversos colégios e chegou a publicar alguns números do jornal Juvenília, inviabilizado a partir do golpe de abril de 1964. O CLML tinha uma grande força atrativa entre os secundaristas mais novos. Os seus integrantes comunistas formavam um grupo com identidade própria, inclusive, com uma organização de base específica, vinculada ao Comitê Secundarista. Jonas fazia parte desse grupo, juntamente com David Capistrano Filho, Francisco de Assis Barreto da Rocha, Amaro Quintino, Dmitri e outros companheiros.

Eu não tinha muita aproximação com Jonas. Convivia com ele nas reuniões e o encontrava constantemente nas agitações de rua e em eventos políticos. Via-o muito ao lado de Davizinho, outras vezes com Davizinho e Rosa Barros, que participava da base do Colégio Estadual do Recife, de alunado feminino, e, como ele, morava no bairro de Santo Amaro. Tinha maior aproximação com o seu irmão mais velho, Carlos Augusto, que participava da base do CEP e chegou a disputar a presidência do diretório.

No dia 1º de abril de 1964, no meio da tarde, saímos em passeata da Escola de Engenharia, na Rua do Hospício, em direção ao Palácio das Princesas, cercado por tropas verde-oliva, para defender o governo de Miguel Arraes. Quando estávamos na altura da Pracinha do Diário, no cruzamento com a Av. Dantas Barreto, em marcha passo de ganso, avançou contra nós um pelotão vindo das imediações do Palácio da Justiça, que começou a disparar, inicialmente, para cima. Depois foi baixando o ângulo até o nível dos manifestantes.

Alguns companheiros gritaram: "é festim"! Mas eu vi os pedaços de reboco caindo do alto de um edifício, sob o efeito das balas, e dei o grito de alarme: "não é festim, não! É bala!” Entre correrias e tiros, avistei o companheiro Oswaldo Coelho, que havia me recrutado para a base do CEP e agora estudava Direito, carregando um corpo masculino com um grande buraco se estendendo pelo pescoço, o queixo arrancado a tiros. Somente depois, no voltando para casa, soube que o ferido era Jonas.

Junto a Jonas também tombou o jovem Ivan Aguiar, comunista de nascença, filho de Severino Aguiar, que morreu na década de 90 com mais de noventa anos, ostentando o orgulho de ser o mais antigo comunista vivo do Brasil. Ivan havia sido aprovado no vestibular para engenharia e aguardava o momento de começar a fazer o curso. Já ferido, ele ainda conseguiu disparar um tiro de um revólver 38 que Antônio Florêncio, comunista de Palmares, recolheu e guardava como relíquia. A Ivan, um brinde pela iniciativa desse - lamentavelmente único - tiro dado em Pernambuco em defesa da democracia e contra os golpistas de 1964. Diz-se que, ao lado de Ivan e Jonas, também tombaram um homem desconhecido e uma funcionária da loja de produtos masculinos - Remilet - colhida por um tiro no seu local de trabalho, na Av. Dantas Barreto.

Aos 16 anos, depois de passar por três meses de prisão, quando perguntado, num inquérito, o que achava da "Revolução de 31 de Março de 1964", Davizinho respondeu que não poderia achar nada de bom, porque o seu pai estava sendo perseguido, ele fora preso e o seu melhor amigo havia sido morto. Em cartas a mim, na década de 1960, David se refere a momentos de profundo sofrimento pela perda de Jonas, denominando-os de "jonismo".

Vim saber mais de Jonas depois da sua morte. Li poemas seus. Apreendi a dimensão da sua amizade grudenta com Davizinho e Rosa, formando um trio inseparável. Rosa me disse que, pouco antes do golpe de 1964, ela e Jonas tinham ficado "de mal", por iniciativa dela e a partir de uma inconfidência de David, revelando-lhe segredo que Jonas lhe havia confiado.Rosa, que terminou namorando com David, num certo tempo alimentou por Jonas uma paixão nunca correspondida.

Um dia, em 1964, acompanhei numa homenagem a Jonas o poeta Albérgio Maia de Farias, também companheiro do PCB e das lutas estudantis. Na Galeria de Arte, da qual Jonas era freqüentador, na margem do Rio Capibaribe, em frente aos Correios, ele deixou pregado no mural um poema que começava assim: "Na Galeria de Arte/há um banco de saudade/e há gestos de futuro/quebrando a serenidade".

Jonas e Ivan Aguiar tiveram suas vidas interrompidas na juventude. Passaram à condição de referências simbólicas dos jovens que lutaram pela democracia e contra a implantação da ditadura de 1964. Transformaram-se em bandeiras de idealismo e resistência, tremulando nos nossos corações e apontando para a coerência dos nossos passos.

Jonas: o sentido simbólico

Marcelo Mário de Melo

Em 1964 havia no Colégio Estadual de Pernambuco – CEP, antigo Ginásio Pernambucano, no Recife, uma base do Partido Comunista Brasileiro com 25 jovens militantes, homens e algumas mulheres. A ação política se desdobrava nas reivindicações locais, nas campanhas pelo diretório estudantil e nas disputas com a direita em torno das entidades municipal e estadual dos secundaristas: a Associação Recifense dos Estudantes Secuncários – ARES e o CESP – Centro dos Estudantes Secundaristas de Pernambuco.

Os estudantes também eram convocados a atuar nas campanhas eleitorais e em mobilizações vinculadas às bandeiras políticas da época. Defendíamos as reformas de base, entre elas a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma do ensino. Éramos pelo direito de voto para os analfabetos e cabos das forças armadas. Combatíamos o colonialismo e as ditaduras no mundo, com destaque para a libertação das colônias africanas, as ditaduras de Salazar em Portugal, Franco na Espanha e Strossner no Paraguai. Defendíamos ardorosamente a jovem revolução cubana e, muitas vezes, participávamos de atos públicos, panfletagens e pichações em defesa de Cuba, contra as ameaças e as tentativas de invasão comandadas pelo imperialismo norte-americano, então sob a batuta do bonitão John Kennedy.

Na base do CEP havia um grupo de companheiros que participava do Clube Literário Monteiro Lobato, o famoso CLML, que ativava um concurso permanente de crônicas, tinha reuniões sistemáticas, possuía centenas de filiados de diversos colégios e chegou a publicar alguns números do jornal Juvenília, inviabilizado a partir do golpe de abril de 1964. O CLML tinha uma grande força atrativa entre os secundaristas mais novos. Os seus integrantes comunistas formavam um grupo com identidade própria, inclusive, com uma organização de base específica, vinculada ao Comitê Secundarista. Jonas fazia parte desse grupo, juntamente com David Capistrano Filho, Francisco de Assis Barreto da Rocha, Amaro Quintino, Dmitri e outros companheiros.

Eu não tinha muita aproximação com Jonas. Convivia com ele nas reuniões e o encontrava constantemente nas agitações de rua e em eventos políticos. Via-o muito ao lado de Davizinho, outras vezes com Davizinho e Rosa Barros, que participava da base do Colégio Estadual do Recife, de alunado feminino, e, como ele, morava no bairro de Santo Amaro. Tinha maior aproximação com o seu irmão mais velho, Carlos Augusto, que participava da base do CEP e chegou a disputar a presidência do diretório.

No dia 1º de abril de 1964, no meio da tarde, saímos em passeata da Escola de Engenharia, na Rua do Hospício, em direção ao Palácio das Princesas, cercado por tropas verde-oliva, para defender o governo de Miguel Arraes. Quando estávamos na altura da Pracinha do Diário, no cruzamento com a Av. Dantas Barreto, em marcha passo de ganso, avançou contra nós um pelotão vindo das imediações do Palácio da Justiça, que começou a disparar, inicialmente, para cima. Depois foi baixando o ângulo até o nível dos manifestantes.

Alguns companheiros gritaram: "é festim"! Mas eu vi os pedaços de reboco caindo do alto de um edifício, sob o efeito das balas, e dei o grito de alarme: "não é festim, não! É bala!” Entre correrias e tiros, avistei o companheiro Oswaldo Coelho, que havia me recrutado para a base do CEP e agora estudava Direito, carregando um corpo masculino com um grande buraco se estendendo pelo pescoço, o queixo arrancado a tiros. Somente depois, no voltando para casa, soube que o ferido era Jonas.

Junto a Jonas também tombou o jovem Ivan Aguiar, comunista de nascença, filho de Severino Aguiar, que morreu na década de 90 com mais de noventa anos, ostentando o orgulho de ser o mais antigo comunista vivo do Brasil. Ivan havia sido aprovado no vestibular para engenharia e aguardava o momento de começar a fazer o curso. Já ferido, ele ainda conseguiu disparar um tiro de um revólver 38 que Antônio Florêncio, comunista de Palmares, recolheu e guardava como relíquia. A Ivan, um brinde pela iniciativa desse - lamentavelmente único - tiro dado em Pernambuco em defesa da democracia e contra os golpistas de 1964. Diz-se que, ao lado de Ivan e Jonas, também tombaram um homem desconhecido e uma funcionária da loja de produtos masculinos - Remilet - colhida por um tiro no seu local de trabalho, na Av. Dantas Barreto.

Aos 16 anos, depois de passar por três meses de prisão, quando perguntado, num inquérito, o que achava da "Revolução de 31 de Março de 1964", Davizinho respondeu que não poderia achar nada de bom, porque o seu pai estava sendo perseguido, ele fora preso e o seu melhor amigo havia sido morto. Em cartas a mim, na década de 1960, David se refere a momentos de profundo sofrimento pela perda de Jonas, denominando-os de "jonismo".

Vim saber mais de Jonas depois da sua morte. Li poemas seus. Apreendi a dimensão da sua amizade grudenta com Davizinho e Rosa, formando um trio inseparável. Rosa me disse que, pouco antes do golpe de 1964, ela e Jonas tinham ficado "de mal", por iniciativa dela e a partir de uma inconfidência de David, revelando-lhe segredo que Jonas lhe havia confiado.Rosa, que terminou namorando com David, num certo tempo alimentou por Jonas uma paixão nunca correspondida.

Um dia, em 1964, acompanhei numa homenagem a Jonas o poeta Albérgio Maia de Farias, também companheiro do PCB e das lutas estudantis. Na Galeria de Arte, da qual Jonas era freqüentador, na margem do Rio Capibaribe, em frente aos Correios, ele deixou pregado no mural um poema que começava assim: "Na Galeria de Arte/há um banco de saudade/e há gestos de futuro/quebrando a serenidade".

Jonas e Ivan Aguiar tiveram suas vidas interrompidas na juventude. Passaram à condição de referências simbólicas dos jovens que lutaram pela democracia e contra a implantação da ditadura de 1964. Transformaram-se em bandeiras de idealismo e resistência, tremulando nos nossos corações e apontando para a coerência dos nossos passos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Sem Oba-Oba a Obama

Marcelo Mário de Melo
Sou defensor do quanto melhor, melhor, e do quanto menos ruim, também.
Lembro da história dita da Bahia, do preso que vinha sendo arrastado por um policial que lhe me metia porrada. Um cidadão humanista, de um primeiro andar, interpelou: "Pare de bater no preso, não se faz isto com um ser humano; se quer matar, mate logo". Aí o preso levantou a cabeça e disse: "não te mete nisso, rapaz, que é melhor assim".
Quando andamos pela rua, faz grande diferença meter o pé em merda mole ou bosta seca.
O velho Bretch já dizia que com o salário do carrasco atrasando um dia, já se abria a possiblidade de algum acorto.
Não tenho nenhuma dúvida de que Obama foi a melhor alternativa, e que com a vitória do outro, seria muito pior. Apenas faço a distinção entre isto e as amplificações simbólicas acerca da sua negritude, transpostas para o terreno da política com tintas esquerdizantes e libertárias.
Pragmaticamente, recolho os resultados e mantenho o "distanciamento bretchiano".
Fui um daqueles - talvez ínfima minoria - que não teve nenhuma vibração especial pelo fato de o presidente eleito do Brasil ter sido um operário de macacão, atendo-me ao seu alinhamento político.
Em síntese: não curto oba-oba a Obama.